Apae
01/06/2011
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O revesso do avesso: por uma abordagem social do processo de inclusão escolar de pessoas com deficiência
... o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar...
(Carlos Drummond de Andrade)
A Resolução CNE/CEB N.º 04/2009 definiu os parâmetros para a matrícula dos alunos com deficiência, altas habilidades\superdotação e transtornos globais do desenvolvimento nas classes comuns do ensino regular e no atendimento educacional especializado, no contraturno, com a função de complementar ou suplementar a formação do aluno nestas condições.
O imperativo legal, de lá para cá, suscitou vários protestos e defesas acaloradas de pontos de vista, tanto por parte do Poder Público, como por parte das Instituições Filantrópicas, Comunitárias e Confessionais, que historicamente se dedicam a promover a educação, a garantia de direitos e a formação cidadã de crianças e jovens com deficiência no Brasil.
O campo desta batalha foi, na maioria das vezes, o terreno pedagógico e, de forma bastante tímida, apelou-se por vez ou outra, ao apoio da psicologia. Nestas áreas, a discussão tornou-se uma luta inglória. De um lado o discurso da ineficácia e da falta de preparo da escola regular. Do outro, a imposição legal do MEC, amparada por estudos de vários teóricos da dita inclusão, além da alcunha de segregacionistas, imputada por este ministério às Instituições Especializadas.
A tentativa de esgotar a discussão apenas no campo pedagógico demonstrou que esta tendência de se manter a análise do processo de inclusão escolar vinculada apenas aos processos de ensino/aprendizagem e, ainda, do ponto de vista das Instituições Especializadas, à falta de estrutura geral da escola comum, gera a concepção de um sujeito fragmentado, desprovido de uma relação com o meio social, cultural, político e econômico, por exemplo.
Sem querer de forma alguma desqualificar o importante papel da pedagogia no bojo desta discussão, faz-se necessário compreender o processo, antes de tudo, como um problema social, cultural e, ainda, com desdobramentos políticos, sobretudo quando se pensa na participação das pessoas com deficiência e seus familiares nos processos democráticos da vida cidadã.
O problema da deficiência se desenvolve no campo de estudo da sociologia a partir do momento em que esta se projeta não no sujeito em si, mas no sujeito coletivo, ou seja, na sociedade, gerando conflitos e relações que produzem resultados sociais. Se pensarmos como Norbert Elias, para quem não é possível a existência de excluídos da sociedade, vamos compreender que todo indivíduo possui o seu lugar dentro das dinâmicas sociais. O que existe, neste contexto, são relações de dominação entre grupos estabelecidos socialmente e outros que se encontram à margem da realidade estabelecida. Estas relações, assim, são responsáveis pela criação do estigma que nasce a partir da construção simbólica de um grupo bem instalado em posição de poder do qual o grupo estigmatizado é excluído.
Neste sentido, a pedagogia, entendida como uma prática social, e a escola, como reflexo da sociedade, colocam-se diretamente no centro do conflito, já que se reproduzem em seu interior as disputas geradas pela diversidade, demonstrando assim que o bem-estar absoluto não existe, devido à presença de classes ou conflitos inconciliáveis na sociedade, como defende o cientista político Anton Prezerworski.
Seria importante procurarmos entender o conceito de inclusão estabelecido na Política Nacional de Educação e nos questionarmos a respeito de seu intuito e, além disto, a quem que este conceito realmente interessa. Esta questão suscita os aspectos de participação política das pessoas com deficiência no Brasil e, também, o de suas famílias, as quais, além de ter uma participação mínima, ou quase nula, nas decisões democráticas, não oferecem riscos aos processos de não-adesão das decisões do Poder Público.
Outro aspecto importante é o do reconhecimento dos direitos. Os direitos, salvo melhor juízo, só podem existir, se levarem em consideração as diferenças. Assim, o sentido de uma educação universalizada, voltada a todos, parece ser uma realidade distante, já que neste ponto a idéia de inclusão coloca em xeque o acesso à educação, negando o direito a um ensino adequado a alguns e restabelecendo no campus da escola comum os conflitos sócio-culturais anteriores a ela.
A escola comum tende, por não levar em conta as várias linguagens de seus alunos, a reproduzir o processo de dominação verificado na vida social. Desta forma, a escola ressignifica-se simbolicamente para os dominados, deixando de ser um espaço democrático para o desenvolvimento e para a promoção da autonomia, para assumir o caráter de espaço opressor e gerador de conflitos.
A concepção política de universalização do ensino, tônica da lógica do MEC, desconsidera a diversidade, os conflitos irreconciliáveis presentes na sociedade e imagina a escola como uma ilha, como se estivesse isenta das diferenças, o que, logicamente, desvirtua o entendimento das relações sociais, propondo condições iguais aos que necessitam de atenção diferenciada, já que a igualdade, segundo Norberto Bobbio, tem por base o tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais, com o objetivo não de demonstrar igualdade entre as coisas, mas sim de promover a justiça social.
Nesse contexto, a inclusão da pessoa com deficiência na escola comum surge como uma representação, no sentido de Chartier, e não como realidade objetiva, por se propor a fazer com que a coisa não tenha existência a não ser na imagem que exibe, fazendo com que a representação mascare ao invés de pintar adequadamente o que é seu referente. Esse processo de distanciamento entre o objeto real e a sua representação tende a interessar ao ator dominador do processo, contribuindo para o subjulgamento do que não tem voz.
É imprescindível dar voz à pessoa com deficiência e olhar a realidade a partir da ótica do outro. É necessária a construção de canais democráticos de participação para que os dominados possam expressar-se e alcançar um papel de destaque na dinâmica social. Construir propostas dialogadas, não excludentes, que permitam o direito de escolha do indivíduo e não a imposição de uma política verticalizada, que cerceia o direito de opção e que pensa o outro pela lógica do estabelecido, seria uma forma democrática de protagonizar a discussão do acesso à educação pelos seus maiores interessados.
Cabe, neste momento, através dos movimentos sociais organizados e do empoderamento das ações por parte das pessoas com deficiência questionar o processo de dominação que se instaurou no ambiente escolar.
Vitória, 11 de maio de 2011.
Washington Luiz Sielemann Almeida
Vanderson Roberto Pedruzzi Gaburo